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Desgastado, caminhou toda a noite

nada apenas a companhia da capa de vento e sombras

o silêncio orquestral.

Irritado, crispava as mãos e ordenava

aos braços o cume socando o enorme manto

de estrelas pinicando no ar.

Nada existia tudo é vão e enfado

mixórdia de desilusões e incontornável solidão

e o embolo de rufos expelidos do fundo do peito

deitavam arremessados em um espaço perpétuo, sem retorno.

“Mundo cru, desamparado e idiota

ao menos me ecoe as palavras que por ora professo

dê-me o conforto fugidio de meu próprio desconsolo!”

O espaço estava impávido e neutro.

Nada externava, nada compunha.

Mas eis que de uma copa rola uma fruta

resvalando acerta-lhe o cocuruto

e ele deitado cessa de queixar.

Ó, irônico, cruel, destino.

Estação

Eu sabia que era o fim
terminal
quando era domingo
e a tarde não trouxe a
frouxa lassidão dos corpos
de meus pais esparramados
nos sofás e nem a doce eletrostática
da televisão zunindo sem parar
.
A cama estava fria e eu percorria
francos delírios galopes
rasos sorrisos cálidos rebentando

Verborragia

Então, estava olhando coisas do passado. Deparei-me com um poema bem velho, de quando eu ainda era moderninho. Ainda rio dele, então achei interessante postá-lo, para quem mais quiser graça.  Lê-lo me fez constatar mais uma vez: nossa, tô ficando velho!

O Difícil           impossível

Amar-te

Redunda em nunca

Tocar-te

Harmonioza – mente: visto dito e lido

(Exprimir

impressa-mente

o que só no entre

pode ser(sendo): existente)

= O pulsante

Coração da vida

Plana                                                  incontido

Selvage                mente

O Movimento!                       necessário

a – ritmado

Tempo!

Ora – Agá – de mudança!!

Meu corpo lavra a palavra

Ou

Por ela é lavrado

Pior!: e.

Palavra   morada

Não mot

Nem word

Embora.

“O corpo mexe.”

Não corre estremece pede – mexe.

Não está desconexo inquieto avariado – mexe.

Palavra uterina

Não mot

Nem word

Palabra tampouco

Foi-se.

Dizer: Eu te amo

Assim

Peca duplamente:

A princípio, insuficiente

Em seguida, tranbordante       para além do corpo-mesmo

justo     ortográfico

dito     lido        escrito

em tudo     ponte           infinda

de um desconhecido íntimo                           a                              um distante   improvável

entre-mente(s)

Multiforme

Palmilhável(?)

(Bom dia boa tarde boa noite, ma chérie! Eu vou bem e você e você como vai eu também os poucos segundos no elevador até alguém dizer as palavras mágicas: nossa tá tão quente hoje!Não esqueçamos a variante: que frio chuva chuvisco abafado, menina, não acredita!Atenção passageiros viajantes turistas carpinteiros bombeiros químicos físicos matemáticos historiadores mendigos porteiros lixeiros – eu poderia estar matando, eu poderia estar estuprando mas não eu estou aqui!Atrás pelas portas janelas banheiros chão garagem carros e motos fechem tudo!Cuiiiiidddaaaddo, madame – amanhã poderá ser com você as crianças o titio a vovó e o cachorrinho!!Atenção eu digo: passageiros viajantes turistas carpinteiros conhecedores de toda antrotrotrotrotropopopopologia e da annnntrrrrropopopopopopometria térmica anual mensal e, claramente, semestral!The book is on the table and my father is not red!As saudades que lhe sinto, se são minhas, eu criei!Lucky, Lucky, quereria dizer dizer dizer como tu, uma boca no espaço só no espaço só? Pas sur le Bouche!Lamartine na janela canta: O teu cabelo não nega mulata por que es mulata na coooor mas como a cor não pega mulata mulata eu quero teu amor!!!Quem eu?Não!Not I!É mais eficiente, rápido, dinâmico e cabe na palma de seu mão, maleável a seu simples olhar e brilha constantemente no escuro e em doses homeopáticas! pequeníssimas letras ao fundo estampa ATENÇÃO a juventude está perdida a juventude está perdida tudo está perdido a MTV é pelega e trabalha para o FBI!Geração coca-cola não deu pé!A geração boy band não dá pé!O mundo está perdido o homem é incoerente!marcianos aparecem em Roraima acusando a humanidade de crimes irrefutáveis!Quando a gente ta pra baixo a gente se avacalha e se esculhamba!Eu sou um homem de idéias!Grite Grite Grite!O que você quer com tudo isso?Aproveitem, aproveitem, agora você só deve um pouquinho nada mais!De dez em dez o ônibus carioca faz a América!Os valores brasileiros nasceram quando a primeira sífilis brotou!Que venha a civilização!Viva a Sífilis!Terrrrrraaaa em Transe!Em 70 o bacana transava em todas!Agora pega pega pega pega geral!Cada um por si e deus contra todos!Roçeiral rozal!Bichinhos parangolezados!Celulares à venda dois por um três por dez!C’est ne pás par la c’est par ici!C’est n’est pás par la c’est par ici!

It’s not that way it’s over here!

Di-glauber Di Di-Glauber Di!                                   Dos gardenias para ti!Mujer!

Nota de rodapé (N.Tr): a página em branco se metamorfoseou em lenço e acusa Mallarmé para um duelo!O erudito francês parece não se irritar dizendo que viver é uma questão de sorte!Un coup de dés, incrivelmente, não é – eu repito – não é um passo de ballet como pas de deux!

De repente não mais que de repente um senso de originalidade uma voz-palavra nunca ouvida reluzente trespassa o asfalto mas não combate a náusea e drummond cai chorando!Irene no céu pede uma pinga que ta foda de agüentar!A vida não vale mais a pena!O maior problema, ainda assim, é dizer: quando é que valeu?Viver e não ter a vergonha de ser feliz!Eu quis cantar uma canção iluminada de sol e que as pessoas da sala de jantar se fodam – Antropofagicamente, isto é!Eu to subindo é pra poder cair, to caindo é pra poder subir e guardando pra desperdiçar!Veredicto: se deus existe ele possivelmente é ao mesmo tempo Tom Zé David Bowie Robert Plant Jim Morrison Jimi Hendrix Frank Zappa e, como já suspeitado por muitos, sim senhoras e senhores, ele mesmo, o único, o intangível, marylin Manson!!!Em São Cristóvam o pai tio avô mata a sobrinha tia filha em pleno caloroso meio dia de domingo!Cidade maravilhosa cheia de encantos mil cidade maravilhosa coração do meu brasil!Com b minúsculo!Mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse raimundo adicionaria correa e morreria parnasiano!O mistério das coisas está em quem pense nos mistérios das coisas

Eu digo digo mas nada escrevo!Eu escrevo escrevo e nada é dito!)

Eu te amo ontem outrora

Hoje eu te amo mas não como agora

Eu te amo movimenta e não é dito pois que o sou

Eu te amo não te comporta nem a mim

Manhã Cinzenta

As cadeiras, como de praxe, rangiam. A sala da cinemateca do MAM, como de praxe, estava vazia, um ou outro cabeça de bagre, perdidos na noite do cinema. Não sabia o que esperar, nunca ouvira muito falar de Olney, sabia do filme, ou melhor, de sua fama. O único cineasta a ser processado e torturado pela realização de um filme. Quando li, me instiguei. Eu nunca antes ouvira falar deste homem, pouco sabia deste filme. Como era possível? O único cineasta que, na época da ditadura, foi preso, interrogado, torturado e processado por um filme, e eu nunca ouvira falar. Pela janela do meu quarto, os homens caminham, quantos sabem? Doutor, minha terra tem amnésia e não lembra nem da década passada. E lá, através da lâmina de luz expulsa do projetor, uma sala de aula, estudantes, cortes abruptos, enérgicos – mas não raivosos, algo intenso e expansivo como a esperança. Quantos filmes, meu deus, quantos trabalhos, poesias, peças, danças e ritos, quanta coisa nos passa sem a certeza do porvir, quanta coisa a peneira da história abandona como um filho bastardo. A fina e delicada esperança, algo que se desenvolve e matura no seio da juventude, nossa idílica e muitas vezes infértil esperança. Um canto desesperado ao amor e à liberdade. Com Olney, percebo que a esperança é, antes de tudo, uma maneira de se integrar, de finalmente sentir – mesmo que não seja, mesmo que ilusão, mesmo que mesmo – comungado com seu tempo, sua terra, seu povo. A esperança como o elemento possível que nos devolva ao todo, às engrenagens do tempo. O desespero desperta. O acordar, a aurora, é um eterno nascer. Quando começa, você não sente, você não sabe o que fazer, começa a projeção, e você é jogado, desalojado, está diante e confrontado, uma imagem após outra após outra após outra. Quanta esperança nos preenche, nos move. Depois de tanto sonhar, entra a luz e rasga a confortante fronha dos sonhos, e novamente é cama, lençol, e o barulho. É preciso despertar, sussurra-se. O nosso sono é tão letárgico, tão antigo, sonhamos que somos menos, sonhamos que somos mais, mas somos sempre menos, ah, o passado é um fardo, sempre um fardo. Desde início se sabia: esta terra não vai dar certo. Tudo dá é uma falácia, olha aqui, vê direito, é uma terra malfadada, prenha de corrupções e erros, e danos, uma orgia de toda espécie, quando vem, quando vem a salvação, senão aqui, teremos adiante, depois e depois. Mãe, tenho vergonha de mim, de meus pares, mãe, nasci gauche na vida, não tem jeito. Ô, síndrome. E se lembrássemos, se nos olhássemos, se tivéssemos mais carinho, nosso passadozinho, meu querido se, tudo que queremos esquecer, esconder, tanta coisa ruim, mas de tudo resta um pouco, quanto Drummond num dia de domingo, a vida é contínua e sempre, não aceita sinal vermelho, não para no transito, tudo o que existiu um dia, que nasceu, existe, não tem jeito, não dá pé. Essa manhã cinzenta exala, jazz que não termina, não procuro a saída, não quero a salvação, quero aquilo, uma sinceridade, compreensão do que eu tenho, mas apostando tudo como quem se suspeita possível. Nenhum sonho é possível, não gosto da utopia, gosto daquilo, aquilo que passa, roça, aquilo que me impede de te ignorar, e preciso me relacionar por que já estou, antes de mim, do meu querer, um construtor que olhou e viu além, achando graça na cor do cimento, da água. A fala cotidiana é um poema esquecido, fecho os olhos para ouvi-lo, e me sobe um zumbido, um trombeta, olha pra câmera, diz, eu pego e saio filmando, eu monto escondido, me dá material que eu uso, eu passo para quem quiser ver, mas não me peça explicação, não me peça um ensaio, amor, você já deveria saber que amar é como o mundo, cada um cria o seu. A Feira é tão longe daqui, rio quarenta graus e não moro nem perto da praia. E elas voltam, as imagens, e mais ainda o ritmo, elas permanecem calmas e presas, à espreita, esperando a oportunidade de arrombar as grades e correr. Viver é como a memória, quando se viu, já passou – Olney preserva e se dedicou ali ao ato de despertar – goste e/ou desgoste.

O sol nasce. Fazia tempo que não se vestia assim. Sentia suavemente o tecido contra seu corpo, enquadrando-se diante do espelho.  Nunca sabemos bem, mas coisas são deixadas para trás. Nunca pensou, nunca olhou para o vestido e deliberadamente o descartou. Simplesmente, algum dia, não se lembra qual, depois de alguma festa talvez, ou mesmo um momento como esse, depois de se olhar demoradamente diante do espelho, retirou o vestido, dobrou-o e guardou no armário.

Passava os dedos pelo tecido e reiterava o olhar diante do espelho. Tão velho este vestido, e ainda tão bonito.  Rapidamente, voltou ao armário e de lá retirou um par de sapatos-altos. Encaixando-o, viu-se já diante da penteadeira, e se prestou a maquiar-se. Calmamente ia se pintando, sorrindo de seu mal-jeito.  Dizem que é como andar de bicicleta. Isto pode até ser. O que nunca que te dizem é que você não volta andando bem de bicicleta, mas erra na quantidade de batom, fica parecendo um palhaço embriagado que não toma banho há dias. Terminando, ajeita a postura, verifica com diligência e prega os ultimo retoques.

Poeira é uma coisa desconfortante, e um exercício diário. Lá ia ela, espumando, limpando, carregando vassoura para dentro e fora de cada recinto.  O sol entra pela janela e atinge sua penteadeira. Com isso, apressa-se para a cozinha. É complicado abrir essa porta da geladeira, preciso mandar consertar. Aos poucos, os ingredientes vão sendo expostos na mesa, seu fogão é acionado e a água em ebulição. Ainda errando no feijão, às vezes é o tempero, às vezes queima. De todo modo, o cigarro sentada na sala é sempre reconfortante.  Como é gostoso tragar, soltar, olhar. Uma pausa no meu dia.

Seguia em paz numa alameda entornada por altas casuarinas. Ia sozinha, agasalhada contra o vento instigante que açoitava envolta.  No horizonte, não via nada, apenas uma perspectiva de haver mais o que caminhar, num corredor que desembocava em mais casuarinas.  Até que uma mão aparecia e a puxava para dançar. Uma daquelas valsas de Strauss, aquilo que ouvia quando era pequena. O homem parecia seu irmão, mas podia muito bem ser seu pai, de todo modo alguém que lhe trazia paz o suficiente para dançar de olhos fechados. Circulava pelo chão num ritmo sem fim, como se voasse.

Acordando, preparou um pequeno lanche. Nada extravagante, apenas pães e chá.  O calor do chá assentava bem no estômago, como um abraço de que se necessitava para não desmoronar um prédio.  O piano também estava um tanto esquecido. Alí, no canto de um quarto, como se pedisse para ser tocado. Havia tanto tempo que não tocava, e sentia uma enorme vontade de terminar aquela valsa.  Desfraldou e viu as teclas. Suas mãos são postas adiante e sua mente irradia a música. As voltas eram sem fim, agora no ar, sem chão.  Seu corpo seguia os rodopios de seu corpo no ar, sem nenhum barulho.

Com o cair da noite, o sono a pega. Caminhando trôpega, acha a cama. Senta na sua ponta, retira os sapatos. E depois deita, sem desfazer a cama. Aproveita seus últimos momentos para olhar para o teto, rememorar sua música, entoa-la baixinho, para ninguém ouvir.  Sentir-se sua, quente como o toque do chá na barriga, e ir, discretamente, encontra-se com a noite e sonhar, sozinha, esparramada em seu vestido.

Nick

“Mas nick Romano é culpado. É culpado de muitas coisas. É culpado de saber
que o pai dele morreu na cadeia. É culpado de ter sido criado
na pobreza. É culpado de ter vivido em barracos. De ter tido más companhias.
Os bandidos, criminosos, mendigos e prostitutas do pior bairro que já
desgraçou uma cidade moderna.

É culpado…

… de os salões de bilhar e bares
estarem abertos quando era jovem. É culpado do mau tratamento
dum reformatório primitivo. Mantenham o rapaz
e civilizem a adolescência. Este rapaz podia ter sido reformado
em vez de ter sido degradado, estudante em vez de selvagem.

Mas acompanhem o percurso do Nick,
naquele reformatório. Ver o melhor amigo morrer
com um castigo sub-humano.

Acompanhem o percurso do Nick
pelas ruelas. Onde os receptadores compram tudo
e não fazem perguntas.

Acompanhem o percurso do Nick
pelos becos e ruas, passando por bêbados,
mendigos e prostitutas, entrando nos salões de bilhar
e bares.

Escutem…

Escutem os assaltantes
e os ladrões…

… destilando suas filosofias
venenosas da vida. Acompanhem o Nick até á cadeia, sendo condenado e odiado.

E de lá saiu determinado
a fazer jus a esse ódio.

Sim, Nick Romano é culpado.
Mas nós também somos.

Assim como essa coisa preciosa
chamada sociedade.

A sociedade é você,
e você, e você.

Todos nós. Nós,  sociedade,
somos frios, egoístas e estúpidos.

Ficamos escandalizados pelo meio
ambiente e chamamos-lhe crime.

Denunciamos o crime e, no entanto,
esquivamo-nos da responsabilidade.

E nos falta vontade
para fazer alguma coisa.

Até eliminarmos o tipo de bairro
que produziu este rapaz, dez irão surgir no lugar dele.
Cem, mil…

Até erradicarmos as barracas
e as reconstruirmos…
batam em qualquer porta…e poderão encontrar Nick Romano.
Os jornais têm pedido fotografias
e histórias sobre este julgamento.
Porque não publicam isto?
Eles, vocês e eu… nós,  boas pessoas, nós,
os cidadãos desta comunidade, nós fotografamos e rotulamos
este rapaz há muitos anos.

Marcamos este encontro com ele
há muitos anos, o brutalizamos e trouxemos para cá há muitos anos.

Se ele morrer na cadeira elétrica,
fomos nós quem o matamos.

Publiquem isso!

Para onde o levamos agora?
O matamos? Passamos-lhe a corrente
pelo sangue, os nervos, o coração, o cérebro?

Peço misericórdia a este tribunal.

Peço isto para que aqueles de nós
que saírem em liberdade, para todos nós,
talvez haja misericórdia.”

Knock on Any Door (1949)

at a park alone she speaks of worldly things

while he walks and she shouts and he drives and the dog barks

worldly things remains but not all together alone as she speaks

and they talk and the wind puffs and the trees flow

alone she speaks foldly of worldly things unworldling

Leviathan

Onde está você?

Por onde olho? Sempre existiu você. Nas profundezas do mar, na escuridão da floresta, no farfalhar do vento. Sozinho, não estou sozinho. Você está aí, em algum lugar, espreitando, esperando.

Fico preso ao chão. Não consigo me mexer. Você está aí, você quer me devorar, quer me triturar. Se eu mexer uma palha, eu perco toda a minha vida – você a tem em suas mãos, você me abraça transparente.

Sinto seu sufoco na base da nuca, não posso virar o pescoço. Cadê você? Cade você? Eu tenho tanto medo de você.

Você é meu amigo de infância, germinado na placenta. Está presente a cada passo, a cada momento. Quando você vai me atacar? Quando você vai acabar com toda essa tortura?

Por favor, eu te peço, eu te imploro, acaba logo com isso, engole meu corpo, me traga instantâneo e cheire minhas cinzas.

Acho que não vou aguentar mais. Tantos e tantos anos. Agora estou sozinha, não tenho mais nada. É apenas eu e você, a escuridão, o branco, este quarto, meu corpo prensado na parede.

“God help thee, old man, thy thoughts has created a criature in thee; and he whose intense thinking thus makes him a Prometheus; a volture feeds upon that heart for ever; that vulture the very creature he creates” –

H. Melville.

Obrigado, mãe.

Na sua dor encontro um corredor.

We’re Desperate

i play too hard when i ought to go to sleep they pick on me because i really got the beat some people give me the creeps every other week i need a new address landlord landlord landlord cleaning up the mess our whole fucking life is a wreck we’re deperate get used to it its kiss or kill coca-cola and a motorola kitchen nauga-hyde and a tie-dye t-shirt last night everything broke.

O que é viver de tal maneira que se sente consumir a própria morte. Quando a morte não é suficiente, ou a vida tão importante que a morte chega a não mais existir.

A Troca

” O Inferno dos vivos não é algo que será: se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço”

– Italo Calvino, As Cidades Invisíveis

A perda é um elemento central da estrutura do melodrama. Pior,  é a consciência desmistificadora da inconstância geral que aparentemente rege a própria vida, onde nenhum golpe de dados abole o confuso acaso.  O amor que por tantos anos se provou forte pode se abater perante as peripécias da vida, seja na infausta morte do objeto amado, seja  no conhecimento de outro alguém que desloca o amor para novos territórios.  Assim, o herói do melodrama é aquele que se encontra em um profundo embate contra as circunstâncias, alguém pronto a chegar às ultimas conseqüências, se aniquilar e resgatar, ou extinguir todas as suas forças.

A questão para Eastwood, de todo modo,  sofre um leve deslocamento. O que interessa não é tanto a dor, a perda ou a consciência da perda do filho, mas a determinação. Cada seqüência é marcada por picos quase histéricos de emoção, com Angelina Jolie chorando sua vida.  Deste modo, o filme se resguarda de um elemento típico da estrutura melodramática, a da catarse calculada, para uma diluição deste conceito  que se espraia em praticamente todas as seqüência do filme. Se todo momento é um momento de ápice, tudo se anula e nos deparamos com uma cadência que parece repetitiva, pois se permite a isso. O elemento central, a emoção e constrição da personagem principal, vai assim perdendo suas cores, ficando em uma situação secundária e uma outra circunstância começa a florescer com mais evidência. No fundo, o que importa não é necessariamente encontrar seu filho, ir atrás do carrasco que perpetrou tal ato, mas a redescoberta da esperança,  a certeza de que,  embora diante dos piores elementos da civilização, algo resta: um ideal, uma luta.  Com Eastwood, estamos diante da percepção de que a vilania e a corrupção coexistem dentro da sociedade com a vontade de mudança e a contínua esperança, expressa pelos lábios postos em sorriso quando Jolie sai e volta para a vida.

A Troca pode até ser visto como uma resposta a Batman: O Cavaleiro das Trevas.  Ao contrário do filme de Nolan, que se rende à noção de perda e corrupção do processo civilizatório, tendo que apostar em uma figura mítica que consiga atribuir unidade ao todo e fazê-lo finalmente caminhar e concluir seu pressuposto otimista ( prevalescer o bem, a comunhão), Eastwood se propõe a dosar os prós e contras deste mesmo processo.  No fundo um otimista, o diretor se permite colocar no mesmo caldeirão os dois polos da questão: de um lado a perversidade, a corrupção e o erro; do outro a bondade, a comunhão, a esperança.  E é nesse embate que encontra, se não a salvação, pelo menos um caminho – mesmo que parta de uma atitude individual, passionais e emotivas sempre.